"Mestre, que eu veja!"
A liturgia deste Domingo fala-nos da preocupação de
Deus em que o homem alcance a vida verdadeira e aponta o caminho que é preciso
seguir para atingir essa meta. De acordo com a Palavra de Deus que nos é
proposta, o homem chega à vida plena, aderindo a Jesus e acolhendo a proposta
de salvação que Ele nos veio apresentar.
A primeira leitura afirma que, mesmo nos momentos mais
dramáticos da caminhada histórica de Israel, quando o Povo parecia privado
definitivamente de luz e de liberdade, Deus estava lá, preocupando-se em libertar
o seu Povo e em conduzi-lo pela mão, com amor de pai, ao encontro da liberdade
e da vida plena. O Deus em quem acreditamos não é um Deus insensível e alheado
das dores e dificuldades dos homens; mas é um Deus sensível e atento, que cuida
dos seus filhos com cuidados de pai. Ao longo do percurso que vamos percorrendo
pela história, também nós fazemos, como os antigos israelitas, a experiência da
escravidão, da dependência, do medo, do desespero, da decepção ... A Palavra de
Deus que hoje nos é servida garante-nos: não estamos sozinhos frente aos nossos
dramas e sofrimentos; Deus vai ao nosso lado e, com amor de pai, cuida de nós,
dá-nos a mão, conduz-nos ao encontro da vida eterna e verdadeira. A nós
resta-nos reconhecer a sua presença (às vezes tão discreta que nem a notamos)
e, com humildade e simplicidade, aceitar o seu amor.
A segunda leitura apresenta Jesus como o
sumo-sacerdote que o Pai chamou e enviou ao mundo a fim de conduzir os homens à
comunhão com Deus. Com esta apresentação, o autor deste texto sugere, antes de
mais, o amor de Deus pelo seu Povo; e, em segundo lugar, pede aos crentes que
"acreditem" em Jesus - isto é, que escutem atentamente as propostas
que Ele veio fazer, que as acolham no coração e que as transformem em gestos
concretos de vida.
No Evangelho, Marcos propõe-nos o caminho de Deus para
libertar o homem das trevas e para o fazer nascer para a luz. Como Bartimeu, o
cego, os crentes são convidados a acolher a proposta que Jesus lhes veio
trazer, a deixar decididamente a vida velha e a seguir Jesus no caminho do amor
e do dom da vida. Dessa forma, garante-nos Marcos, poderemos passar da
escravidão à liberdade, da morte à vida.
Depois de encontrar Jesus, Bartimeu transforma-se e
torna-se o protótipo do verdadeiro discípulo ... Destinatário privilegiado da
proposta de salvação que Jesus traz, ele proclama sem hesitações a sua fé,
invoca a ajuda e a misericórdia de Jesus, acolhe sem hesitações o chamamento
que lhe é feito, liberta-se da vida velha e, com alegria, decisão e entusiasmo,
aceita, sem condições, seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida. É com
Bartimeu que os discípulos de Jesus são convidados a identificar-se.
Liturgia da Palavra do Domingo XXX do Tempo Comum
I Leitura Jer
31, 7-9
«Vou
trazer de novo o cego e o coxo entre lágrimas e preces»
Esta leitura refere-se, em primeiro lugar ao fim do exílio do povo
de Deus em Babilónia. Mas ela é, ao mesmo tempo, o quadro
onde encontram lugar todos os que sofrem e procuram salvação. Hoje, como então,
a palavra de Deus anuncia essa salvação. O Senhor quer reunir todos os homens e
de todos fazer um só povo, o seu povo. Para isso, chama-os das situações mais
humilhantes em que eles se encontram, e oferece-lhes a vida nova que Cristo nos
trouxe.
Salmo
Salmo
125 (126),
Grandes maravilhas fez por nós o Senhor,
por isso exultamos de alegria.
II
Leitura: Hebr
5, 1-6
«Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec»
Jesus é, junto do Pai, sacerdote de toda a humanidade e não
já de um só povo apenas. E não é sacerdote como os da Antiga Aliança, que
morriam e tinham de ser substituídos. Jesus é sacerdote de outra maneira, à
maneira de Melquisedec, aquela figura misteriosa que saiu ao encontro de
Abraão, sem que se lhe conheça nem a origem nem o fim, imagem por isso de
Jesus, sacerdote eterno, porque está vivo para sempre.
Aclamação
ao Evangelho 2 Tim 1, 10
Jesus Cristo, nosso Salvador, destruiu a morte
e fez brilhar a vida por meio do Evangelho.
Evangelho Mc 10, 46-52
«Mestre, que eu veja»
A profecia da primeira leitura, dizendo que entre os
retornados do exílio estaria o cego, realiza-se em Jesus Cristo. O cego,
proclamando-O “Filho de David”, reconhece n’ Ele o Messias. Jesus, curando-o,
recompensa a sua fé; mas simultaneamente mostra que os tempos do Messias e da
salvação por Ele oferecida a todos os homens tinham chegado ao meio deles.
Reflexão
Ao assumir a nossa
humanidade, Jesus experimentou a nossa fragilidade, a nossa debilidade, a nossa
dependência; tornou-Se, portanto, capaz de compreender os nossos erros e falhas
e de olhar para as nossas insuficiências com bondade e misericórdia. Para a nossa
vida concreta, há duas consequências que resultam daqui... A primeira leva-nos
à confiança e à esperança: junto de Deus nosso Pai, temos um intercessor que
entende as nossas dificuldades e que, apesar das nossas falhas, continua
apostado em integrar-nos na família de Deus. A segunda leva-nos ao compromisso
com os irmãos: a solidariedade de Cristo connosco convida-nos à solidariedade
com os pequenos, com os últimos, com os pobres, com aqueles que o mundo rejeita
e marginaliza; convida-nos a identificarmo-nos com os sofrimentos e angústias,
com as alegrias e esperanças de cada homem ou mulher; convida-nos a fazer o que
estiver ao nosso alcance para promover aqueles que são humilhados, explorados,
incompreendidos, colocados à margem da vida.
A Palavra de Deus que nos é proposta
garante-nos que a situação do homem cego, prisioneiro da escuridão, não é uma
situação incontornável, obrigatória, sem remédio. Jesus veio ao mundo, enviado
pelo Pai, com uma proposta de libertação destinada a todos aqueles que procuram
a luz e a vida verdadeira. Esse Jesus de Nazaré que Se cruzou com o cego à
saída de Jericó continua a cruzar-Se hoje, de forma continuada, com cada homem
e com cada mulher nos caminhos da vida e oferece-lhes, sem cessar, a proposta
libertadora de Deus. É preciso, no entanto, que não nos fechemos no nosso
egoísmo e na nossa auto-suficiência, surdos e cegos aos apelos de Deus; é
preciso que as nossas preocupações com os valores efémeros não nos distraiam do
essencial; é preciso que aprendamos a reconhecer os desafios de Deus nesses
acontecimentos banais com que, tantas vezes, Deus nos interpela e questiona.
O que é que implica aceitar a proposta que
Jesus faz? Fundamentalmente implica - como aconteceu com Bartimeu - tornar-se
discípulo. Ser discípulo de Jesus é aderir à sua pessoa, acolher os seus
valores, viver na obediência aos projectos do Pai, fazer da vida um dom de amor
aos irmãos; é solidarizar-se com os pequenos, com os pobres, com os
perseguidos, com os marginalizados e lutar por um mundo onde todos sejam
acolhidos como filhos de Deus, iguais em direitos e em dignidade; é lutar
contra as estruturas que geram injustiça, opressão e morte; é ser testemunha,
com palavras e com gestos, da verdade, da justiça, da paz, da reconciliação.
Quem aceita seguir o caminho do discípulo escolhe viver na luz e está a
contribuir para a construção de um mundo novo.
Quando reconhecemos o "chamamento"
de Deus, qual deve ser a nossa resposta? Bartimeu, logo que ouviu dizer que
Jesus o chamava, atirou fora a sua capa e correu ao encontro de Jesus. O gesto
de Bartimeu representa, aqui, a renúncia imediata à vida antiga, ao egoísmo, ao
comodismo, à escravidão, aos comportamentos incompatíveis com a adesão a Cristo
e a esse caminho novo que Jesus o convida a percorrer. É isso, também, que é
pedido a todos aqueles a quem Jesus chama à vida nova.