"Vós
deixais de lado o
mandamento de Deus,
para vos
prenderdes à
tradição dos homens."
A liturgia do 22º Domingo do Tempo Comum propõe-nos
uma reflexão sobre a “Lei”. Deus quer a realização e a vida plena para o homem
e, nesse sentido, propõe-lhe a sua “Lei”. A “Lei” de Deus indica ao homem o
caminho a seguir. Contudo, esse caminho não se esgota num mero cumprimento de
ritos ou de práticas vazias de significado, mas num processo de conversão que
leve o homem a comprometer-se cada vez mais com o amor a Deus e aos irmãos.
A primeira leitura garante-nos que as “leis” e
preceitos de Deus são um caminho seguro para a felicidade e para a vida em
plenitude. Por isso, o autor dessa catequese recomenda insistentemente ao seu
Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela.
A segunda leitura convida os crentes a escutarem e
acolherem a Palavra de Deus; mas avisa que essa Palavra escutada e acolhida no
coração tem de tornar-se um compromisso de amor, de partilha, de solidariedade
com o mundo e com os homens. Deus oferece
continuamente ao homem os seus dons, a fim de lhe proporcionar vida e
felicidade. A Palavra de Deus é um dom
que o “Pai das luzes” oferece ao homem e destina-se a gerar uma nova
humanidade. Os cristãos, iluminados pela “Palavra da verdade” que lhes vem de
Deus, podem caminhar em segurança em direcção à vida plena, à felicidade sem fim.
É a escuta atenta da Palavra de Deus que nos projecta para a acção e para o
compromisso. A escuta da Palavra de Deus leva o crente a passar de uma religião
ritual, legalista, externa, superficial, para uma religião de efectivo compromisso
com a realização do projecto de Deus e com o amor dos irmãos.
No Evangelho, Jesus denuncia a atitude daqueles que
fizeram do cumprimento externo e superficial da “lei” um valor absoluto,
esquecendo que a “lei” é apenas um caminho para chegar a um compromisso efectivo
com o projecto de Deus. Na perspectiva de Jesus, a verdadeira religião não se
centra no cumprimento formal das “leis”, mas num processo de conversão que leve
o homem à comunhão com Deus e a viver numa real partilha de amor com os irmãos.
A verdadeira preocupação do crente deve ser moldar o seu coração, a fim de que
os seus sentimentos, os seus desejos, os seus pensamentos, os seus projectos, as
suas decisões se concretizem, no dia a dia, na escuta atenta dos desafios de
Deus e no amor aos irmãos.
LITURGIA DA PALAVRA DO DOMINGO XXII DO TEMPO COMUM
I Leitura Deut 4, 1-2.6-8
«Não
acrescentareis nada ao que vos ordeno...
mas
guardareis os mandamentos do Senhor»
Já
à vista da Terra Prometida, Moisés recorda ao Povo de Israel a conveniência em
observar a Lei de Deus, a sua perfeição e superioridade em comparação com as
leis dos outros povos. A lei de Deus é a única luz que ensina aos homens o
caminho da vida autêntica e verdadeiramente feliz. Mas essa lei procura antes
de mais educar o coração do homem.
Salmo 14 (15)
Quem habitará, Senhor, no vosso santuário?
II
Leitura Tg 1, 17-18.21b-22.27
«Sede cumpridores da palavra»
Começamos hoje a ler, e leremos ainda durante mais alguns
domingos, a Epístola de S. Tiago. A passagem que hoje escutamos diz-nos que
tudo o que há de bom vem de Deus, e Deus tudo criou pela sua palavra. Esta
palavra continua a fazer ouvir-se no mundo e como que lançou em nós as suas
raízes. Por isso, a nossa vida cristã consistirá em fazer que essa palavra
desabroche em nós, dando muito fruto.
Aclamação
ao Evangelho Tg 1, 18
Deus Pai nos gerou pela palavra da verdade,
para sermos como primícias das suas criaturas.
Evangelho Mc
7, 1-8.14-15.21-23
«Deixais o mandamento de Deus
para vos prenderdes à tradição dos homens»
A palavra de Deus pode vir a ser adulterada pelas
palavras dos homens, mesmo quando pretendem explicar e aplicar a palavra de
Deus. O Senhor adverte-nos para que saibamos ler a palavra de Deus à luz do
Espírito de Deus, que a inspirou, e não com a visão estreita e acanhada, e, por
vezes, interesseira, do nosso espírito, demasiado humano e limitado. A palavra
de Deus é espírito e vida, e não apenas letra, que, por si só, pode matar.
REFLEXÃO
Para muitos de nós, as leis e preceitos de Deus são um
caminho de escravidão, que condicionam a autonomia e que limitam a liberdade do
homem; para outros, as leis e preceitos de Deus são uma moral ultrapassada, que
não condiz com os valores do nosso tempo e que deve permanecer, coberta de pó,
no museu da história. Em contrapartida, a Palavra de Deus é um caminho sempre actual,
que liberta o homem da escravidão do egoísmo e que o conduz ao encontro da
verdadeira vida e da verdadeira liberdade. De facto, a escuta atenta e o
compromisso firme com a Palavra de Deus é, para os crentes, uma experiência
libertadora: salva-nos do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência e projecta-nos
para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida.
Na nossa sociedade, há uma tal superabundância de palavras, que a palavra se desvalorizou. Habituámos-nos, portanto, a não levar demasiado a sério as palavras que escutamos. É preciso darmos à Palavra que Deus nos dirige um peso infinitamente superior às palavras sem nexo que todos os dias enchem os nossos ouvidos e que intoxicam a nossa mente… A Palavra de Deus é Palavra geradora de vida, de eternidade, de felicidade; por isso, deve ser por nós valorizada. É preciso transformar essa Palavra que escutamos em gestos concretos, que nos levem à conversão e ao compromisso – à luta pela justiça, pela paz, pela dignidade dos nossos irmãos, pelos direitos dos pobres, por um mundo mais fraterno e mais cristão.
As “leis” têm o seu
lugar numa experiência religiosa, enquanto sinais indicadores de um caminho a
percorrer. No entanto, é preciso que o crente tenha o discernimento suficiente
para dar à “lei” um valor justo, vendo-a apenas como um meio para chegar mais
além no compromisso com Deus e com os irmãos. A finalidade da nossa experiência
religiosa não é cumprir leis, mas aprofundar a nossa comunhão com Deus e com os
outros homens sendo, eventualmente, ajudados nesse processo por “leis” que nos
indicam o caminho a seguir.
Se fizermos das leis algo de absoluto, elas podem tornar-se para nós um fim e não um caminho. Nesse caso, as “leis” serão, em última análise, uma forma de acalmar a nossa consciência, de nos julgarmos em regra com Deus, de sentirmos que Deus nos deve algo porque nós cumprimos todas as regras estabelecidas. Tornámos-nos orgulhosos e auto-suficientes, pois sentimos que somos nós que, com o nosso esforço para estar em regra, conquistamos a nossa salvação. Deixamos de precisar de Deus, ou só precisamos d’Ele para apreciar o nosso esforço e para nos dar aquilo que julgamos ser uma “justa recompensa”. O culto que prestamos a Deus pode tornar-se, nesse caso, um processo interesseiro de compra e venda de favores e não uma manifestação do amor que nos enche o coração. A nossa religião será, nesse caso, uma mentira, uma negociata, que Deus não aprecia nem pode caucionar.
É no interior do homem que se definem os sentimentos, os desejos, os pensamentos, as opções, os valores, as acções do homem. É daí que nascem os nossos gestos injustos, as discórdias e violências que destroem a relação, as tentativas de humilhar os irmãos, os rancores que nos impedem de perdoar e de aceitar os outros, as opções que nos fazem escolher caminhos errados e que nos escravizam a nós e àqueles que caminham ao nosso lado… A verdadeira religião passa por um processo de contínua conversão, no sentido de nos parecermos cada vez mais com Jesus e de acolhermos a proposta de Homem Novo que Ele nos veio fazer.
Se fizermos das leis algo de absoluto, elas podem tornar-se para nós um fim e não um caminho. Nesse caso, as “leis” serão, em última análise, uma forma de acalmar a nossa consciência, de nos julgarmos em regra com Deus, de sentirmos que Deus nos deve algo porque nós cumprimos todas as regras estabelecidas. Tornámos-nos orgulhosos e auto-suficientes, pois sentimos que somos nós que, com o nosso esforço para estar em regra, conquistamos a nossa salvação. Deixamos de precisar de Deus, ou só precisamos d’Ele para apreciar o nosso esforço e para nos dar aquilo que julgamos ser uma “justa recompensa”. O culto que prestamos a Deus pode tornar-se, nesse caso, um processo interesseiro de compra e venda de favores e não uma manifestação do amor que nos enche o coração. A nossa religião será, nesse caso, uma mentira, uma negociata, que Deus não aprecia nem pode caucionar.
É no interior do homem que se definem os sentimentos, os desejos, os pensamentos, as opções, os valores, as acções do homem. É daí que nascem os nossos gestos injustos, as discórdias e violências que destroem a relação, as tentativas de humilhar os irmãos, os rancores que nos impedem de perdoar e de aceitar os outros, as opções que nos fazem escolher caminhos errados e que nos escravizam a nós e àqueles que caminham ao nosso lado… A verdadeira religião passa por um processo de contínua conversão, no sentido de nos parecermos cada vez mais com Jesus e de acolhermos a proposta de Homem Novo que Ele nos veio fazer.